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António Cruz - Uma experiência de vida de um verdadeiro torriense

António Cruz - Uma experiência de vida de um verdadeiro torriense

António Cruz, nasceu no Turcifal em ‘45 mas vem para a então vila de Torres Vedras ainda muito novo, onde se torna um homem e empresário bem conhecido pela sua ligação ao Bombeiros - onde durante muitos anos foi adjunto do Comando, às Associações e muito em especial ao Carnaval de Torres Vedras, onde teve a responsabilidade pelos carros do Corso durante diversos anos.
Com o fim da Comissão de Carnaval é atualmente membro da Real Confraria do Carnaval, de que passou a fazer parte.
Fomos conhecer um pouco melhor a pessoa por detrás do bigode tão caraterístico que já se tornou “imagem de marca”.

Revista Festa - Nasceu na vila do Turcifal...
António Cruz - É verdade, mas é com alguma pena e saudade que vi destruir a casa onde nasci, perto da Casa do Povo.
Mas logo com seis meses de idade venho para o Casal de São Pedro, perto da Cruz do Barro, às portas da então vila de Torres Vedras e pelos meus cinco anos o meu pai vai para caseiro da Quinta do Hilarião e mudamo-nos novamente. Foi aí que cresci e onde estive até aos 11 anos, embora viesse estudar para a vila, primeiro para a escola oficial e uns tempos depois par a escola do professor Mineiro.

Festa - E quando termina a escola?
António Cruz - Quando terminei a quarta classe, na altura, vou para o Choupal, que era perto da casa onde os meus pais viviam, e começo a trabalhar numa mercearia e vinhos que ali havia, a loja do Antémio ou da Ti Maria Pereira, como era conhecida na altura.
Uns tempos mais tarde continuo a trabalhar e volto à escola para tirar o curso comercial, mas já a estudar de noite, em horário pós-laboral.

Festa - É por essa altura que passa para os automóveis?
António Cruz - Foi com catorze anos fui trabalhar para a antiga Ford, na A. Couto e Goes, que era ali para os lados do Bairro Arenes, e foi aí que aprendi um ofício, que ainda hoje desempenho na minha oficina. Só depois é que transitei para a Foroeste, que era dos mesmos donos e durante muitos anos teve instalações no Choupal onde, com exceção dos anos de tropa, me mantive até 1976, quando decidi abrir a minha oficina, a Auto Técnica, ao lado do Campo Manuel Marques, onde agora foi construído Hospital Soerad e onde passei mais 32 anos de vida. Até que tive que sair, exatamente por essa razão, e com o valor negociado acabei por comprar o espaço onde atualmente tenho a oficina, na Paúl, há onze anos.


Festa - Pelo meio vai para o serviço militar?
António Cruz - Nessa altura era obrigatório e iamos todos. No meu caso comecei no curso de sargentos, nas Caldas da Rainha, passei por Sacavém, para tirar a especialidade, fui colocado na Figueira da Foz mas regresso a Sacavém onde fui dar instrução até ir para Luanda, para o Grafanil, e passei dois anos num pelotão de desmantelamento, onde tinha uma equipa de 30 civis a meu cargo e recuperavamos peças válidas de carros que vinham de toda a província inoperacionais.
Acabei por levar a minha mulher para lá, para Luanda, onde nasceu o nosso filho e recordo com felicidade e algumas saudades esses tempos.

Festa - Muita gente recorda o Cruz na sua fase de Bombeiro. Como entra na corporação?
António Cruz - É verdade, foi uma fase da minha vida que me deu muito prazer também, mas só fui para os Bombeiros depois de voltar da tropa.
Foi um motorista dos Bombeiros dessa altura, o “Penteadinho”, que estava lá e também era taxista, que começou-me a desinquietar até que me “levou para lá”  e onde estive uma quantidade de anos, como motorista, bombeiro e ajudante de comando, até que tive que sair devido à imensa atividade que tinha entre os Bombeiros e a minha Oficina e não sobrava tempo para a família nem para ver os meus filhos crescer.

Festa - Foi fácil deixar os Bombeiros?
António Cruz - Claro que não. Sempre que ouvia tocar a sirene a primeira coisa que fazia era levantar-me com vontade de ir.
Ainda assim, acho que cumpri com a minha obrigação. Todas as pessoas que têm alguma disponibilidade deveriam dar também um pouco do seu tempo à comunidade e em especial aos Bombeiros.

Festa - Pelo meio “deu aulas”?
António Cruz - É verdade, ainda dei o curso de mecânica na Escola Henriques Nogueira e acho que foi das coisas boas que fiz na vida. Ainda hoje encontro alguns antigos alunos que agora estão pelas oficinas da região a sair-se muito bem.
Ensinava aquilo que sabia e foi com muita pena que vi esse curso não continuar, embora para mim não fosse muito bom porque tinha que dar menos atenção à minha empresa, mas era um curso de muita utilidade e onde os alunos ao sair tinham emprego garantido.

Festa - O A. Cruz já esteve ligado a um sem-número de associações. Essa ligação às coletividades dá-se quando?
António Cruz - Quando deixei de ser Bombeiro no ativo ainda me mantive uns dois anos na direção da Associação, mas enquanto estive no ativo fui sendo convidado para as direções de uma série enorme de coletividades, um pouco por todo o concelho, mas os Bombeiros absorviam-me o tempo todo disponível e não me permitia estar em outras coisas. Ao sair foi possível essa ligação, primeiro na direção da Tuna uns doze anos e depois de algumas outras, como o Operário, mais tarde, numa altura difícil da coletividade, onde evitámos o seu encerramento e conseguimos trazer a agremiação até aos dias de hoje, onde sem problemas de sustentabilidade está a necessitar atualmente de um novo grupo de pessoas que se empenhem numa direção para lhe poder dar outra vida, que a coletividade merece.


Festa - Pelo meio, faz parte de uma série de Comissões. É verdade?
António Cruz - Quando fui fazer parte da Comissão de Carnaval era usual fazer-se parte também das comissões da Feira de São Pedro e das Festas das Vindimas, mas como estava “metido até aos cabelos” nos Bombeiros pedi para que não o fosse, embora pudesse ajudar sempre que necessário e possível para mim.
Na realidade aquela onde estive mesmo foi a Comissão de Carnaval onde colaborei desde os meus dezasseis anos, quando me colocaram com um trator a “puxar” um dos carros de Carnaval. Como eu trabalhava na Ford e éramos talvez, na altura, a empresa que mais tratores vendia aqui na região, havia a facilidade de se pedir tratores emprestados para puxar os carros de Carnaval, até que me vi com a responsabilidade por esses mesmos tratores e carros, de forma natural.

Festa - Como era o Carnaval nessa altura?
António Cruz - O Carnaval tem evoluído mas mantendo algumas das suas tradições, pelo que nessa altura era mais pequeno e menos organizado mas não muito diferente dos Corsos Diurnos dos dias de hoje.

Festa - Já havia “matrafonas” nessa altura?
António Cruz - Já, foi das primeira coisas, das primeiras personagens a surgir no Carnaval de Torres. Lembro-me desde sempre, desde miúdo, de haver as “matrafonas”, os ministros e assim, sempre tudo ligado, embora agora sejam mais “vaporosas”, mais pintadas e nessa altura fossem mesmo mais “matrafonas” e descuidadas, mas o espírito mantém-se.
Atualmente existem mais grupos carnavalescos, tornou-se muito mais participado e alguns deles são verdadeiras associações que preparam e vivem o Carnaval durante quase todo o ano. Essa é a maior evolução.

Festa - É do tempo dos “cocotes” de serradura ou grainha de uva que se mandavam dos carros para os foliões e vice-versa?
António Cruz - Claro que sim. Lembro-me quando conduzia os tratores e em que nos eram entregues uns óculos de alumínio para colocar na cara por causa dos “cocotes”... mas era cada cocotada nos “putos” que conduziam os tratores que era demais. Eramos quase todos muito novos e tornavamo-nos alvos fáceis de toda aquela gente que acabava por achar graça em nos acertar, em especial das miúdas que achavam que isso era engraçado, ou dos namorados ciumentos que não achavam graça ao facto de elas se meterem connosco ... acabavamos por levar cocotada de todo o lado sem ter culpa alguma na situação nem nos “metermos” com ninguém.

Festa - Entra na Comissão de Carnaval na altura do Dr António Carneiro, outra pessoa que adora o Carnaval?
António Cruz - É verdade, somos da mesma terra - Turcifal - fomos à inspeção no mesmo dia e é mesmo um grande amigo que adora o Carnaval, mas isso é público. O próprio Carnaval de Torres também lhe deve muito, pois foi ele que conseguiu imprimir uma evolução muito significativa ao evento.

Festa - Entretanto acaba a Comissão de Carnaval?
António Cruz - É verdade, entrou outro vereador e a Comissão acabou, porque antigamente o Carnaval era organizado por um grupo de “carolas” que no final entregavam o dinheiro que sobrava ao Lar de São José ou até à Física e não tinha nada a ver com a Câmara, mas com o tempo foi passando a ter, começou a existir um subsídio camarário e na altura em que acabou já existia a empresa municipal, a Promotorres, e foi a ela que passou a ser entregue a organização do Carnaval de Torres, de uma forma profissional.

Festa - E que aconteceu às pessoas que colaboravam por carolice na Comissão?
António Cruz - Foi daí que se encontrou uma forma de criar uma “prateleira dourada” para essas pessoas e criou-se a Real Confraria do Carnaval, que ainda hoje existe e que tem um papel consultivo, mais simbólico que ativo atualmente, da qual passei a fazer parte com cerca de sessenta outros confrades.
Mas o Carnaval é uma festa popular e independentemente de quem o organize será sempre a grande festa de Torres Vedras, capaz de juntar e trazer à cidade muitas centenas de milhar de foliões que se divertem e disfrutam das muitas coisas boas que por cá temos e por aqui existem. É a verdadeira grande festa popular da cidade.
Por mim, o espírito carnavalesco está e estará sempre presente.
Podemos passar sem tudo, mas o Carnaval em Torres Vedras é que não pode mesmo faltar...

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