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Miguel Cabrita, o Secretário de Estado do Emprego em entrevista

Miguel Cabrita, o Secretário de Estado do Emprego em entrevista

“Desafios estruturais do País reclamam de todos capacidade de diálogo e de compromisso”, refere-nos Miguel Cabrita, Secretário de Estado do Emprego, em conversa connosco sobre a pasta que tutela.

Secretário de Estado é um membro do governo, tantas vezes preterido para um plano secundário. O cidadão comum não valoriza o cargo, muito por culpa da média que estabelecem a comunicação à sua imagem, à medida dos seus profissionais e dos círculos de opinião que sustentam. Os ministros são quase sempre os protagonistas da governação. 
Os secretários de estado raramente se ouvem, vêm-se mais nos noticiários dos canais de televisão, ao lado dos executivos que servem. 
Mas é dos gabinetes deles que saem alguns dos dossier e das ideias mais determinantes da governação.


A pasta do emprego é um quebra-cabeças para qualquer executivo, principalmente desde 2009, momento em que o desemprego disparou para níveis históricos, acima dos 9%. Agora, é uma preocupação para o ministro Vieira da Silva, mas seguramente para o seu número dois, Miguel Cabrita, e a maior angústia de 10,5% da população activa que não tem trabalho.
Partimos da premissa que, em Portugal, os secretários de Estado são os membros do Governo de categoria intermediária entre a de ministro e a de subsecretário de Estado e que exercem as competências que lhes são delegadas pelo ministro respectivo, ou diretamente pelo primeiro-ministro, que não fazem parte do Conselho de Ministros, mas podendo participar nas suas reuniões, se convocados para tal, sem direito a voto.

Mas, sobre o emprego, escutemos então Miguel Cabrita:

Revista Festa - As primeiras interrogações são: Qual é mesmo o papel destes membros do governo? O que fazem? Onde é que a sua actuação é, deve ou pode ser decisiva?
Miguel Cabrita - Os Secretários de Estado são parte da equipa do Governo e acompanham áreas específicas por delegação dos respetivos Ministros. Sob coordenação destes, contribuem para a agenda política de cada um dos ministérios, que muitas vezes cobrem áreas relativamente distintas e que exigem essa articulação. 
No caso do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, só para dar um exemplo, há três Secretários de Estado: Emprego, Segurança Social e Inclusão das Pessoas com Deficiência, sendo que em dois dos casos são mulheres. Mas além das matérias tuteladas por cada um, os cruzamentos entre elas são fortes. Por isso a equipa do Ministério é muito mais do que uma soma de áreas individualizadas.

Festa - Miguel Cabrita acompanha, pela segunda vez, Vieira da Silva, enquanto Ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. 
Numa pasta governativa tão abrangente quais são as suas prioridades?
M. C. - Num Governo para o qual o emprego e a qualificação são, desde a primeira hora, áreas de preocupação fundamental eu identificaria três grandes prioridades.
Desde logo, a promoção do emprego e de emprego de mais qualidade, combatendo o desemprego e o desemprego de longa duração. 
Além da saúde económico-financeira do País e de políticas sectoriais bem calibradas, este desígnio passa por políticas de emprego selectivas e orientadas para o emprego sustentável, não apenas como paliativo temporário.
É por isso que estamos a reorientar as políticas activas em função do “prémio-emprego”, para premiar quem cria empregos que fiquem depois dos apoios.
Mas é também fundamental combater a precariedade, um problema não só português, mas que tem uma incidência maior do que na média europeia. Nos jovens é especialmente preocupante, mas cada vez mais noutras faixas etárias. 


“... Compromisso de em 2017 iniciar 

o processo de regularização de situações 

contratuais indevidas no Estado”


Quer as políticas activas, quer sobretudo a regulação do mercado de trabalho são importantes, quer ao nível legal quer do reforço dos corpos inspectivos. O concurso para 80 novos inspectores do trabalho será um passo importante. 
Por outro lado, o problema não se põe apenas no sector privado, também no público é fundamental dar passos sólidos, e um exemplo, e daí o compromisso de em 2017 iniciar o processo de regularização de situações contratuais indevidas no Estado.
O estímulo ao diálogo social e à negociação colectiva entre empregadores e sindicatos é também uma prioridade que está a ser discutida com os parceiros sociais. 
Por fim, é fundamental relançar qualificação de adultos, tão maltratada nos últimos anos em Portugal. É esse o objetivo do programa QUALIFICA, que vai combinar o reconhecimento de competências com formação ajustada a cada pessoa, para que cada um tenha um caminho desenhado para conseguir investir em si próprio e qualificar-se. Foi já lançado um novo concurso para Centros QUALIFICA e o programa arranca muito em breve.


“Como cidadão, é impossível 

conviver bem com o desemprego”


Festa - O desemprego é um substantivo que ninguém quer ouvir em momento algum, que mexe com a vida de todos cujo rendimento depende do trabalho, que influencia os recursos das famílias e a maior ou menor riqueza do País. Temos 10,5% dos cidadãos activos sem trabalho. Como é que o cidadão e Secretário de Estado Miguel Cabrita convive com esta realidade?
M. C. - Como cidadão, é impossível conviver bem com essa realidade. Só por inconsciência do que significa para tantas pessoas e para as suas famílias poderia ser de outro modo.
Como Secretário de Estado essa é, e será, sempre a prioridade cimeira, não foi por acaso que a referi em primeiro lugar. 
É um facto que o mercado de emprego está em recuperação. Que a taxa de desemprego desceu, desde que o Governo tomou posse, desde os 12,4% que encontrámos e, mais importante, que essa descida está agora ancorada num ritmo de criação de emprego que é o mais alto dos últimos anos.
Mas num país como o nosso, que perdeu cerca de meio milhão de empregos desde o princípio da crise, tão afectado nos últimos anos pela emigração (sobretudo de jovens, muitos deles qualificados), ter ainda 10,5% de desemprego não pode descansar ninguém e muito menos deixar-nos satisfeitos.
Temos de continuar este caminho e criar condições para que cada vez mais pessoas estejam integradas no emprego e com perspetivas de qualidade. É fundamental para o País, previne o agravamento dos riscos demográficos, por via da emigração, tem impactos fortes na vida das pessoas e para o nosso futuro coletivo. 

Festa - ...Segundo os últimos dados do Eurostat, 47% dos desempregados procura emprego há mais de dois anos. Muitos deles, são vítimas da idade que têm e não tanto da falta de qualificação. Neste grupo, existem muitos licenciados e técnicos especializados. Para estes casos, é habitual apontar a receita do empreendedorismo. Surgem-nos duas perguntas: 
O Secretário de Estado já conseguiu auscultar alguns destes desempregados? 
Como acredita que é possível contornar esta realidade, mais aflitiva?
M. C. - É uma realidade e uma preocupação que muitas pessoas nos fazem chegar. 
Na verdade, a taxa de desemprego de longa duração tem vindo também a baixar de modo significativo, mas a um ritmo mais lento que o desemprego em geral, o que significa que entre os desempregados permanece um largo segmento de pessoas com grandes dificuldades para voltar ao mercado de emprego. E, tradicionalmente, a idade não favorece a posição das pessoas no mercado de trabalho, especialmente em Portugal; o facto de as gerações mais velhas terem, em média, níveis de qualificação mais baixos que as mais jovens, não ajuda.
Não há apenas uma solução, mas eu diria que o principal antídoto é a qualificação, a renovação das aprendizagens, o investimento permanente de cada pessoa nessa matéria e, naturalmente, também do Estado e das políticas públicas. O programa QUALIFICA, que já referi, é um exemplo. A melhoria das respostas do IEFP na formação dos públicos muito pouco qualificados, que já está a ser feita, é outro. 
Quanto ao chamado empreendedorismo, que no fundo significa criação de empresas, pode ser a solução para algumas pessoas, com perfis adequados e em condições que o favoreçam, mas é errado fazer crer que pode ser a solução para todos. 


“... Empreendedorismo, que no fundo 

significa criação de empresas, pode ser 

a solução para algumas pessoas (...) 

mas é errado fazer crer que 

pode ser a solução para todos”


Festa - O conhecimento é transversal a todas as idades, condições sociais e níveis de escolaridade. Contudo, a formação profissional circunscrita ao IEFP (Instituto de Emprego e Formação Profissional) é ainda escassa para os licenciados e para os bacharéis. Confina-se às línguas e às tecnologias informáticas... 
É expectável que o IEFP possa vir a promover equiparações a licenciaturas em politécnicos ou mesmo nas universidades. Ou isso é correr o risco de transformar o organismo responsável por uma gigantesca ‘escola de formação’ insustentável do ponto de vista organizacional e mesmo financeiro?
M. C. - A vocação do IEFP é no âmbito da formação profissional, que de algum modo complementa no nosso sistema os percursos educativos, feitos nas escolas e instituições de ensino superior, universidades ou politécnicos. Não está no horizonte intervenção directa no domínio do ensino superior, não faria sentido.
O que está a ser trabalhado é a melhoria da oferta formativa para os níveis pós-secundários, incluindo para licenciados, porque tradicionalmente o IEFP e os seus centros estiveram mais vocacionados para outros públicos, mas cada vez mais temos necessidade de ajustamentos da formação a esse nível. 
Por outro lado, a ligação com as empresas e com os diferentes sectores, antecipando necessidades de formação e apostando em particular em setores geradores de emprego é também fundamental.

Festa - O ideário do IEFP é capacitar os cidadãos, no fundo é gerar a empregabilidade. Miguel Cabrita acredita que se cumpre esse desígnio? 
O organismo conhece o mercado de trabalho e as suas formações encontram-se adaptadas à procura? 
Por exemplo, a participação das empresas portuguesas do sector industrial é satisfatória? 
M. C. - O IEFP tem uma ampla rede de Centros de Emprego e de Formação espalhada pelo País e um capital de conhecimento da realidade do emprego e das empresas dos diferentes territórios, a nível regional e local, que não é facilmente igualável na sociedade portuguesa. 
Por outro lado, além dos centros de formação que gere directamente, o IEFP tem os chamados “centros protocolares” em que a gestão é partilhada com associações empresariais, e sindicais, de diferentes sectores de actividade e a formação é calibrada em função do dinamismo e das necessidades desses sectores. 
Dito isto, é imperioso que consigamos ajustar melhor a formação às necessidades de competências que, prospectivamente, se vão desenhando e podem ser antecipadas. É um trabalho de ajustamento complexo que, em especial nos dias de hoje, nunca está concluído porque a mutação é rápida e incessante, mas por isso mesmo é cada vez mais crucial. 

Festa - Em 2017, qual é o orçamento que terá para a formação? 
Quantos formandos estimam que integrem os projectos do IEFP. E quantos formadores vão servir o organismo? 
M. C. - O orçamento do IEFP tem vindo a ser ajustado à realidade financeira que encontrámos quando tomámos posse, e em particular às fortes limitações na programação dos fundos comunitários 2014-2020, o chamado PT2020. 
Na área do emprego, perto de dois terços dos recursos foram sendo consumidos ou comprometidos logo em 2014 e 2015, sem sustentabilidade e muitas vezes sem qualquer selectividade, obrigando a fortes restrições no período restante - até 2020! 
Na área da formação profissional, além do problema da aceleração dos gastos, a dimensão dos recursos programados no Portugal 2020 é cerca de um terço do que foi programado no ciclo anterior, o QREN (2007-2013). 
Numa altura em que o País mais precisa de apostar na qualificação, os recursos que nos foram deixados para fazer esse investimento caíram na proporção de 3 para 1 …e creio que isso diz tudo sobre o modo como o futuro foi ou não acautelado. 
Neste quadro, está a ser feito um trabalho, complexo e demorado, de ajustamento do orçamento do IEFP a esta realidade, provocada por opções políticas tomadas nos últimos anos. 
Ainda não há uma previsão de metas para 2017, mas estão a ser trabalhadas para que possamos, com ganhos de eficácia, fazer as apostas que se impõem.


“... Na concertação ninguém faz 

acordos sozinho. A vontade, 

a capacidade de diálogo – e, 

como é natural, de cedência 

e compromisso – está também 

do lado dos parceiros, 

de todos eles. 

O Governo agirá em função do 

que for o resultado da concertação” 


Festa - “Só acredito no relançamento da contratação colectiva se tiver como base o interesse das partes envolvidas. Se os diferentes representantes do mercado de trabalho não virem utilidade nestes acordos, tenho dúvidas de que possamos ter uma dinamização da negociação colectiva”, são afirmações suas, das mais pragmáticas, feitas em Setembro último, estritamente relacionadas com relançamento da negociação de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho. 
Miguel Cabrita é um dos rostos da Concertação Social; está permanentemente sentado na mesa das negociações com os parceiros sociais... Pedimos-lhe uma confidência: Qual o estado de espírito que leva para estes encontros. Acredita que a concertação social promoverá concordâncias para prazos mais alargados e que entende o significado de estabilidade?
M. C. - O estado de espírito traduz o empenhamento e a importância estratégica que o Governo atribui à concertação. 
A economia e a sociedade portuguesa têm desafios estruturais que reclamam de todos – governo, associações empresariais e confederações sindicais – capacidade de diálogo e de compromisso para que consigamos encontrar bases para um caminho partilhado e estável de desenvolvimento. 
Os últimos anos foram muito duros e deixaram marcas profundas na sociedade portuguesa. Perdemos meio milhão de empregos, muitas pessoas emigraram e muitos dos postos de trabalho entretanto criados são instáveis ou com salários mais baixos. As relações laborais deterioraram-se e desequilibraram-se, o que degradou também o clima de confiança entre empregadores e sindicatos. 
Num momento em que estamos a criar condições para olhar o futuro de maneira diferente, precisamos de recentrar o caminho, ganhar um novo equilíbrio e maior balanço para enfrentar os nossos desafios estruturais num quadro de partilha de objetivos e de estabilidade básica, benéfica para as empresas e para os trabalhadores.
É público que o Governo tem trabalhado para um acordo que junte todas as partes, mas na concertação ninguém faz acordos sozinho. A vontade, a capacidade de diálogo – e, como é natural, de cedência e compromisso – está também do lado dos parceiros, de todos eles. O Governo agirá em função do que for o resultado da concertação. 

Festa - A atitude altera-se com a mudança de protagonistas? 
É mais difícil dialogar com os sindicatos ou com as confederações patronais? 
As partes dispensam sempre atenção ao governo, enquanto entidade mediadora e às suas eventuais ideias, ou ainda são muito irredutíveis?
M. C. - Não há mais fácil ou mais difícil. 
Não o digo por ser politicamente correcto, mas apenas porque é preciso entender que as preocupações são por definição diferentes: o sítio a partir do qual se olha o mercado de trabalho é diferente e os interesses que se representa são distintos. E mesmo dentro do movimento sindical, e das associações patronais, há maneiras distintas de interpretar o que são os interesses de cada uma das respectivas partes. É natural que assim seja. É apenas preciso ter em conta as especificidades de cada interlocutor.
Dito isto, até certo ponto os interesses são comuns, porque haver mais emprego, mais crescimento, condições de desenvolvimento e de paz social é algo que interessa a ambas as partes. É por isso que há contratos colectivos, acordados directamente entre empresas (ou sectores) e sindicatos, e é por isso que todos se sentam à mesa da concertação. 
Os últimos anos não foram benéficos para estas dinâmicas de negociação e para que se renovassem os laços de confiança e de trabalho conjunto. Precisamos também aqui de virar de vez a página. 


“As pessoas 

com vínculos precários 

estão muito mais 

expostas à pobreza”

Festa - De acordo com os últimos dados do Eurostat, em 2015, 26,6% da população portuguesa vivia em risco de pobreza ou de exclusão social, ou seja, mais de dois milhões de pessoas.
Enquanto cidadão e sociólogo, que medida global entende ser prioritária para inverter este flagelo? 
Na qualidade de Secretário de Estado, num ministério que trata de trabalho, solidariedade e segurança social, qual é a mensagem que gostaria de deixar a estes portugueses?
M. C. - A pobreza afecta diferentes grupos sociais com incidências diferentes, e por causas e mecanismos distintos. Por isso, não há uma só medida e o Governo está a trabalhar em diversas frentes para combater a pobreza. 
No mercado de trabalho, o aumento do salário mínimo foi naturalmente uma medida importante já em 2016, quando passou de 505 para 530 euros, abrangendo mais de meio milhão de pessoas, e este é um esforço que queremos prosseguir. 
O combate à precariedade é também relevante, porque as pessoas com vínculos precários, e muitas vezes até não declarados, estão muito mais expostas à pobreza: seja porque entre os desempregados o risco de pobreza cresce significativamente, seja porque quem não faz descontos não ganha direito a proteção social adequada, quer subsídios de desemprego, de doença e outros, quer depois pensões de reforma por velhice. 
Aqui, o aumento das pensões e dos valores de referência do CSI, além do esforço de divulgação desta medida, é também um passo importante do lado da segurança social. 
Por outro lado, o aumento das prestações familiares nos primeiros anos de vida é um meio importante de combate à pobreza infantil, e de promoção da natalidade, causas que devem mobilizar toda a sociedade portuguesa.
A principal mensagem a passar, creio, é a de que a pobreza é inaceitável do ponto de vista da dignidade das pessoas e da nossa sociedade. 
O investimento nas qualificações, na juventude e ao longo da vida, é o melhor meio para prevenir a pobreza. E a melhoria dos padrões de dignidade no trabalho, combatendo a precariedade e garantindo o cumprimento das obrigações de todas as partes, entre elas e perante o Estado e a Segurança Social, são aspectos estruturais do caminho que precisamos de percorrer.

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