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Debate sobre Violência e Violência Doméstica

Debate sobre Violência e Violência Doméstica

Violência, com um foco muito especial na violência doméstica, foi o tema da palestra organizada pela associação “A Causa” no auditório do CAERO, em Torres Vedras.

Com moderação de António Esteves, jornalista da RTP, contou com um painel constituído por Tânia Teixeira (procuradora do Ministério Público), Anabela Rocha (juíz), Magda Alemão (assistente social) e Daniel Leonardo (comissário da PSP). O Encerramento esteve a cargo de Alfredo Candeias (juiz jubilado).

Uma primeira parte, com intervenções dos convidados, perante um auditório repleto de uma assistência interes-sada onde António Esteves, na abertura, afirmou “este é um tema que me interessa, pois considero que a par com outros crimes como o abuso sexual e o assédio sexual que muitas vezes termina em abuso físico, a violência doméstica é de facto uma das chagas da nossa sociedade … no decorrer da minha vida profissional cruzei-me várias vezes com o flagelo da violência em geral e da doméstica, física e verbal, em contexto familiar. Todas estas verdadeiras chagas deixam marcas profundas nas vítimas, por vezes para sempre. Muitas vezes encurtam vidas devido a um sofrimento que se torna insuportável e quantos suicídios temos devido a estes flagelos … em função de tudo isto pergunto: A justiça segue de forma cega a letra da Lei, sem olhar a outra possibilidade de interpretação ou outros pressupostos que devam proteger a vítima em detrimento do agressor ou há uma sensibilidade cada vez maior por parte dos agentes judiciários que vão até aos limites do que lhes é permitido pelos diplomas em defesa das vítimas?” e concluiu referido que “para muitos portugueses há a sensação, porventura falsa, de falha do sistema. Para as vítimas há um sentimento de impotência, gerado pelas decisões judiciais que permitem aos agressores novos contactos com as mesmas que levam muitas vezes a novas agressões e até à morte. Como se pode pedir a uma vítima que avance para a denúncia quando depois fica por sua conta e risco, ou pelo menos é essa a sensação que lhe é transmitida?…”.

A juíz Anabela Rocha, que interveio logo de seguida, entre outras referia um provérbio que diz “é preciso toda uma aldeia para educar uma criança” acrescentando “…e digo eu, para a proteger. Referindo-se ainda às crianças “sabemos que a criança é titular de direitos e um dos direitos fundamentais é ter ambos os pais na sua vida de forma presente e implicada … (na justiça) o que importa é mover o foco para o interesse da criança … quando estamos em presença de uma situação de violência doméstica, violência na família. O foco mudou dos direitos dos pais, a ter igual participação na vida da criança, para o real interesse da criança e para a sua proteção, afastando-a de uma situação potencial de perigo de maus tratos físicos ou psicológicos”, avançando ainda com um tema para debate: “O agressor, ou agressora, em situação de violência familiar, deverá ser sempre afastado/a de todo o convívio com o filho. O agressor/a é sempre um mau pai ou uma má mãe?”.

Quanto à resposta dada na proteção à vítima, a juiz Anabela Rocha referiu que “atualmente e no que à resposta do sistema de justiça diz respeito, apresenta-se a mesma como corolário daquilo que é o conhecimento da fragilidade psicológica destas vítimas e da cada vez maior consciencialização do fenómeno da violência doméstica em concreto quando estão envolvidas crianças. A resposta deve ser célere, protetora e de busca, tanto quanto possível, de alívio da pressão psicológica em que vivem, ou viviam, estas crianças” mas reafirma igualmente o importante papel da sociedade, dos vizinhos, das instituições, escolas ou Centros de Saúde, terminando dizendo que, ao contrário do ditado popular, nestes casos de violência “entre marido e mulher é urgente meter a colher”.

Já a assistente social, Magda Alemão, referiu que “é um facto que nos deve preocupar a todos, não só pelos números que aparecem … e são só a ponta do icebergue. Sabemos que hoje ainda há dificuldade em dar o passo de denunciar, de apresentar queixa, de sinalizar, aquilo que segundo a OMS … é o uso intencional de força física ou poder em ameaça ou na prática contra si próprio, outra pessoa, um grupo ou comunidade, que tenha grande probabilidade de resultar em sofrimento, em dor, em morte, dano psicológico, mau desenvolvimento ou privação” deixando a sugestão sobre “o que é que todos nós podemos fazer? Sinalizar, sinalizar, sinalizar… através das forças policiais, da CPCJ, do Ministério Público, da APAV. É importante e fundamental não se ficar indiferente. A violência é um problema de saúde pública, portanto cabe-nos a todos nós, enquanto cidadãos, se identificamos alguma situação que possa parecer suspeita, procurarmos quem de direito, falar, apresentar queixa e evitar assim situações como as mencionadas”.

“ A violência doméstica não é discriminatória, pois pode ser vivida por qualquer pessoa, independentemente da sua cor, idade, orientação sexual, religião ou formação académica … os agressores têm um padrão que prejudica física ou psicologicamente as vítimas, despertam nelas medo e impedem-nas de fazer o que elas pretendem ou força-as a comportar de forma que elas não desejam” afirmou o comissário Daniel Leonardo, que acrescentou que na maioria dos casos as situações de violência não são, ou só são comunicadas às autoridades muito tarde, não permitindo um acompanhamento das situações vividas pelas vítimas nem, quantas vezes, ou corrigir atempadamente o trajeto agressivo e violento dos agressores”.

Tânia Teixeira, procuradora do Ministério Público, acentuou o que a Lei prevê para os casos de violência e de violência doméstica em particular, começando por referir que “quando a nossa não casa não é um lar, temos um problema … tanto é vítima de violência quem é agredido como quem assiste, exemplo da criança que assiste à violência por parte dos pais e se vai esconder debaixo da cama a chorar, ou numa despensa, com medo, com estes atos a ter reflexo no desenvolvimento, saúde ou bem-estar daquela criança”. Outro dos pontos que referiu prende-se com vítimas e arguidos, em especial quando existe prisão ou obrigatoriedade de permanecer na residência em que “não é caso raro que os arguidos se encontrem em situação de prisão preventiva e as vítimas sejam as primeiras pessoas que aparecem para os visitar. E temos este problema, se nada ficar estipulado (que proíba os contactos) como é que se controla a questão destas visitas” e do perigo presente e futuro para todas estas vítimas que, em elevado número de casos, procuram a reconciliação com os agressores, voltando-se pouco tempo depois às situa-ções vivenciadas de agressões físicas e/ou verbais.

Após as intervenções dos convidados coube ao público presente relatar e manifestar as suas contribuições para o debate, com uma troca de experiências muito interessantes e enriquecedoras.

Por fim, coube ao juiz jubilado Alfredo Candeias encerrar a palestra, tendo oportunidade de referir (em relação à violência doméstica) que “em primeiro lugar as pessoas têm alguma dificuldade em perceber quando é que uma relação acaba … as pessoas por vezes estão casadas mas a relação já acabou. Acabou quando acaba o afecto conjugal, quando as pessoas estão a viver sob o mesmo teto mas apenas se suportam uma à outra… depois, quando acaba a relação começa por haver uma tensão, uma espiral de conflituosidade que se vai alargando, vai subindo, até chegar à agressão, grande parte das vezes. Numa primeira fase a vítima desvaloriza e tenta compreender … mas é uma situação que vai piorando cada vez mais”. E concluiu com uma ideia chave “o silêncio das pessoas, o silêncio da vítima … a denúncia dos casos de violência é uma responsabilidade da sociedade, todos nós somos responsáveis e temos essa obrigação. Se todos nós tivermos consciência disso e se o comunicarmos às autoridades (nem que seja por chamada anónima) estamos a contribuir para que estes números de violência e de violência doméstica baixem de ano para ano. Mas isso passa por todos nós…”.

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