Revista Festa - A Susana Félix é reconhecida por todo o país, e não só, pelas suas músicas e pelas suas atuações como atriz. É bom sentir esse reconhecimento?
Susana Félix - É bom, principalmente, gostarem do que eu faço com muito amor e muita dedicação. Se as pessoas gostam é a maior recompensa que pode existir.
Festa - Mas começa numa coisa que não tem nada a ver: Foi campeã de patinagem artística, certo?
Susana - Vice-campeã, não cheguei a ser mesmo campeã.
Desde muito nova comecei a praticar na Física de Torres Vedras e fazia competição. Foi importante para mim e marcou-me muito, na forma de ser e na forma de encarar a vida. Até nem gostava muito de competir, pois ia sempre muito nervosa para as provas, gostava mais dos treinos, da tentativa de aperfeiçoamento que em todos eles havia, isso sim, era a minha paixão.
Festa - Rapidamente encontra outra grande paixão na música, primeiro no fado, de que todos nos recordamos ainda. Não é normal uma pessoa nessa idade optar por esse género musical. Como vai parar ao fado?
Susana - Primeiro, sempre tive uma enorme influência da minha mãe, que adorava cantar fado em casa.
Depois, tive a sorte de me ter cruzado com diversas pessoas do “Grémio”, onde também entrei e fiz parte do elenco, tendo mesmo vencido uma Grande Noite do Fado, no Coliseu de Lisboa, aos doze anos.
Gosto muito de fado, continuo a gostar e sempre gostei...
Festa - A Susana ainda se lembra de qual foi o fado que cantou nesse dia?
Susana - Claro que sim: “Maria da Cruz” da Amália Rodrigues.
Festa - Esses momentos foram determinantes para escolher a música como profissão?
Susana - Acho que a música faz parte da minha essência. Não creio que a Grande Noite do Fado tenha sido decisiva para escolher a minha profissão, porque era muito nova e ainda não estava formada nesse sentido, tendo tido ainda a sorte de os meus pais nunca terem encarado isso como uma coisa que determinasse o que iria fazer de futuro. Tomei essa decisão por volta dos dezoito ou dezanove anos, por gosto e não por obrigação de o fazer.
Por essa altura entrei num programa de televisão, a Seleção Nacional, onde acabei por conhecer duas pessoas fundamentais em todo este processo: O Zé da Ponte e o Zé Sarmento, que eram produtores nesse programa e tinham um estúdio, para onde me convidaram, a mim e à Sofia Fróis, como cantoras de estúdio, e onde gravávamos coros para outros artistas. É aí que conheço uma série de músicos, como João Pedro Pais, Mafalda Veiga, Luís Represas e outros, com quem começo, para além de gravar os discos, a cantar ao vivo.
Festa - Mafalda Veiga com quem musicalmente a Susana se identifica muito?
Susana - Em termos musicais até nem acho que tenhamos géneros parecidos. Se calhar temos uma sensibilidade idêntica e é mais por aí que encontram, por vezes, pontos em comum entre nós. Mas, eu era muito fã da Mafalda, reconheço, e quando gravei o primeiro disco com ela - “A Cor da Fogueira” - foi uma emoção para mim, fiquei mesmo feliz da vida, com aquela sensação de “estou a fazer parte disto”. Criámos uma amizade enorme e a Mafalda acaba por acompanhar o meu primeiro disco.
Festa - Mas antes do primeiro disco ainda há uma passagem pela Disney?
Susana - É verdade. Fui a um “casting” e sou escolhida para fazer a personagem principal, nessa altura, a Pocahontas, o que era uma coisa extraordinária. Ainda fiz, depois, o Rei Leão II e mais dois ou três filmes, mas a personagem principal foi a Pocahontas, sem dúvida.
Só depois disso é que gravo o meu primeiro disco - “Um Pouco Mais”.
Festa - Disco que foi um sucesso imediato, com diversos temas muito tocados, mas um em especial que se destacou?
Susana - O “Mais Olhos Que Barriga” que ainda hoje passa nas rádios. Com letra do Pedro Malaquias e música minha e do Renato Júnior.
Na altura nem estavamos nada à espera, pois sempre pensei que “Um Lugar Encantado” fosse muito mais forte, um tema muito especial com uma letra escrita pela Mafalda Veiga, que sabia do meu carinho por Santa Cruz, o meu lugar encantado, mas ambos acabaram por se destacar e a verdade é que o “Mais Olhos Que Barriga” acabou por marcar esse disco.
Festa - Desde aí quase meia dúzia de discos e muitas participações?
Susana - Participei em muitos trabalhos, um disco de tributo a Ari dos Santos - “Rua da Saudade”, os discos “Rosa e Vermelho”, “Índigo”, “Pulsação” e “Procura-se”, participei em teatro, onde fiz produção e algumas direções artísticas, cinema, séries, telenovelas - “Ganância”, por exemplo, como atriz e “Anjo Selvagem” com a produção de músicas para os personagens e o genérico final, entre outras.
Festa - A Susana acaba por participar numa diversidade de áreas artísticas. Há alguma ligação?
Susana - Esse é um problema que tenho: Sou muito curiosa. Aliás, cheguei a fazer algumas formações de ator quando me preparei para lançar o primeiro disco. Nesses cursos cruzei-me com alguns realizadores com quem mais tarde acabei por trabalhar.
São áreas que têm alguma coisa em comum, pois como cantora também sou intérprete. Como cantora estou sempre a representar uma letra, um texto, o que faz com que tenha alguma facilidade em interpretar uma personagem, embora possa ser uma linguagem artística diferente.
Festa - Atualmente qual o projeto?
Susana - Neste momento estou a preparar um novo disco, que embora tenha um fio condutor com os anteriores espero que seja um trabalho diferente, dentro da minha essência musical, que faço questão de não mudar.
Aliás, parei a produção do disco para fazer o “Samba da Matrafona” para o Carnaval de Torres Vedras, mas vou retomar logo a seguir.
Festa - Como surge o “Samba da Matrafona”. Nasce de um acaso ou nem por isso?
Susana - De um acaso não surgiu... nasceu de uma ideia e do amor que eu tenho pelo Carnaval, uma coisa que não consigo explicar. Uma coisa irracionalmente agradável. Muito minha.
Gosto muito de Carnaval, em especial do Carnaval de Torres, como é óbvio, porque consegue unir as pessoas, tem o dom de ser uma saudável diversão em que são todos adultos e ainda gostam de brincar. Isso é muito bom, é maravilhoso...
Festa - E o “Samba”?
Susana - Pois... pelo meio desse encantamento sempre tive muitas perguntas e a maior parte delas focavam-se no facto de não haver música portuguesa no Carnaval. Essa é a minha área e pensei... porque não?
Acabei a falar com quem “de direito” e acabou por ser muito fácil, embora dentro de mim tivesse uma esperançazinha de que me dissessem que não, pois estava a meio do meu disco, mas acabou por ser tudo muito simples e deram-me a resposta: “então queres fazer... faz”.
Festa - Foi complicado idealizar a música?
Susana - Idealizar foi rápido, porque a ideia foi muito concreta, muito definida. Queria fazer um samba e queria ter uma pessoa de “peso” a participar, a cantar comigo, e essa pessoa seria um brasileiro.
Festa - Foi fácil convencer o Zeca Pagodinho, um “icon” deste género de música, a gravar um tema com a Susana Félix para o Carnaval de Torres?
Susana - Esse foi um processo que acabou por ser muito feliz.
Desde logo, porque acabei por contar com a ajuda preciosa da agente que faz a produção executiva comigo e foi fundamental nessa comunicação. Mas, o mais interessante é que consigo convencer o Zeca através do Hemicida, que já conhecia, um músico muito novo mas com uma carreira emergente no Brasil, muito inteligente, talentoso e respeitadíssimo.
O Zeca, acaba por saber que o Hemicida vai gravar o tema e não foi difícil, foi como se dissesse “Ah! O Hemicida vai eu também vou”, acabou por ser de certa forma simples juntar estes dois “senhores” da música brasileira no “Samba da Matrafona”. Foi um final feliz.
Festa - Alguma vez pensou ter o Zeca Pagodinho a gravar um samba português?
Susana - Antes de mais, acho que ele foi corajoso. Aliás, foram ambos muito corajosos.
Festa - Um samba português é... como um fado brasileiro?
Susana - Pois é, mas isso o Vinicius já fez em 68. A partir daí, acho que tardámos foi na resposta... (sorriso).
Festa - Quanto tempo demorou a gravar o tema, que é um disco também em versão vinil?
Susana - Desde a ideia foi rápido. Desde que a Promotorres e a Câmara aceitaram este projeto, e também foram muito corajosos por isso, foram cerca de seis meses. A produção foi complexa, pois tivemos três estúdios a funcionar ao mesmo tempo, um em Portugal, um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro, no Brasil.
Festa - Foi fácil conseguir aquele som homogéneo apresentado?
Susana - Sim, sim. Trabalhamos com estúdios profissionais ao nível do melhor que existe e para além disso temos grandes engenheiros de som em Portugal.
A produção final foi toda feita cá, na Valentim de Carvalho. Todos os instrumentos, os arranjos, foi tudo feito aqui, no Brasil só foram gravadas as vozes.
É fácil trabalhar com pessoas que sabem e que se entusiasmam. Embora fosse a única que conhecia profundamente o Carnaval de Torres, todos se deixaram levar por essa minha paixão e estou-lhes muito grata por isso.
Festa - O Hemicida participou em parte da letra. Ele sabe o que é uma “matrafona”?
Susana - Pelos vistos sabe. Como já referi ele é muito inteligente, levou a coisa a sério e fez uma busca aprofundada. Não fazia sentido, nem era delicado da minha parte estar a fazer uma letra na parte que ele teria que interpretar, como rapper, mas aí ele foi mesmo fantástico. Perfeito.
Festa - O tema e o disco saíram, estão disponíveis nas plataformas online e em vinil, e agora, como sente a Susana que foi a adesão ao “Samba da Matrafona”. Sentiu que as pessoas gostaram?
Susana - Ah! Claro que senti.
No dia da apresentação estava na expetativa e muito nervosa, porque fico sempre assim quando apresento uma canção, neste caso, ainda por cima “em casa”. Mas logo nesse dia fiquei muito feliz com as reações.
Tudo o que aconteceu naquele primeiro dia, em que a música crescia nas plataformas a um ritmo de dez mil visualizações por hora, nas primeiras horas, tudo aquilo me “assustou” e me deixou a pensar “o que está a acontecer”.
Adorava o tema, mas não estava a contar com isso, com uma adesão assim.
Festa - Isso deixou a Susana feliz?
Susana - Claro que sim, muito feliz. Comecei por ficar muito contente por ver que a música agradou muito às pessoas a quem se dirigia, porque esse era o objetivo. O objetivo era fazer uma música “do nosso Carnaval, do Carnaval de Torres Vedras”. Uma música que fosse honesta com aquilo que nós somos, que não tivesse nada para além disso, porque eu acredito que aquilo que nós somos é muito bom, e esse foi o meu “motor”.
Agora, de um momento para o outro as pessoas têm a reação que têm, começam a partilhar, partilhar, partilhar, aquilo começa a “explodir” e de repente há uma segunda “onda” em que se espalha pelo país e, numa semana, nas várias plataformas ultrapassa-se o milhão de visualizações.
Festa - Foi mesmo um sucesso. Que música chega a esse número, no nosso país, num tão curto espaço de tempo?
Susana - É mesmo muito. Não sei nem ninguém sabe. São coisas que ninguém consegue controlar. São coisas que só acontecem quando não pensamos nesse objetivo. O objetivo era simples: fazer uma música nossa para as nossas matrafonas e para o nosso Carnaval.
Só de ver os torrienses unidos em torno do “Samba da Matrafona” já é muito importante para mim.
Fiquei muito feliz!
Festa - A Susana Félix é conhecida por gostar das coisas sempre bem feitas...
Susana - É verdade, gosto mesmo de fazer as coisas bem feitas. Até sou um pouco chata nisso, embora seja mais exigente comigo que com os outros. Gosto de fazer o melhor e tenho essa exigência, mas depois o resultado final acaba por ser compensador.