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Celestino Santos. A fotografia transformou-o num verdadeiro “ícone” de uma região!

Celestino Santos. A fotografia transformou-o num verdadeiro “ícone” de uma região!

Fomos ao Bombarral e encontrámos-nos com um dos mais conceituados fotógrafos nacionais, ele que faz parte de “tudo quanto é associação” relacionada com fotografia e que coloca um cunho tão especial em cada vez que prime o botão da máquina que normalmente em vez de fotos saem verdadeiras obras de arte.
Celestino Santos (Celestino das Neves Ferreira dos Santos) ou “Celestino Fotógrafo”, como é conhecido, uma pessoa muito estimada, quase idolatrada, na região do Bombarral e do Cadaval, onde tem os seus estúdios, recebeu-nos em sua casa para uma breve e agradável conversa.

Revista Festa - Ainda se lembra de como tudo começou. Já foi há mais de meia dúzia de anos?!…

Celestino Fotógrafo - Parece que foi há uns dias atrás mas já lá vão mais de sessenta anos.

Desde muito cedo que me tornei sensível às imagens, às pessoas, às coisas, ao mundo. 

A minha mãe, nessa altura, precisava de mais uma fonte de rendimento para fazer face às despesas da casa. Veio a esta casa onde estamos, no Bombarral, e perguntou ao dono, na altura o Sr Carvalho, se precisava de um miúdo de doze anos para ajudar… o senhor disse “preciso” e perguntou-lhe “ele gosta?” Ela respondeu “gosta” e foi assim que tudo começou.

Festa - Mas, começou mesmo como?

Celestino Fotógrafo - Não começou como começam os fotógrafos de hoje. A minha mãe pensou que iria receber algum dinheiro e nessa altura não se começava a receber logo…

Foi em 1962. Nessa altura as pessoas eram diferentes, o mundo era diferente, as tecnologias eram diferentes, tudo era diferente. A forma como se aprendia uma profissão era diferente também. 

Não se pagava mas também não se recebia desde logo.

Só ao fim de um ano é que tive o primeiro ordenado. Era assim que se formavam os fotógrafos que nessa altura não eram ‘malabaristas’…

Festa -  Quanto é que o Celestino passou a ganhar. Ainda se recorda?

Celestino Fotógrafo - Sim, claro. Já perto dos meus quinze anos o Sr Carvalho teve um certo dia um casamento de cerca de 300 pessoas e outro de 30 para o mesmo dia, então perguntou-me se eu ia fazer o casamento das 30 pessoas e eu disse-lhe: “sim, eu vou”.

Então ele lá me disse que ia comigo ao Senhor Jesus (Carvalhal) que me fazia uma cábula (eu ainda nunca tinha mexido numa máquina até aí) onde me dizia: aqui fazes a fotografia 1, aqui fazes a fotografia 2 e por aí fora. Nesse tempo faziam-se provas ao final do dia e foi aí, quando nos juntámos, que se viu que no casamento “grande” o Sr Carvalho tinha vendido poucas fotos e o Celestino no pequeno tinha vendido muitas, porque a noiva (a Mabília) achou engraçado e disse aos convidados “ajudem o rapazinho, que ele vai ser um grande homem. Têm que comprar fotografias ao rapazinho”… e a coisa resultou.

Então nessa noite o Sr Carvalho vira-se para mim e diz: “vou dar-te quinhentos escudos”. Eu que ainda nunca tinha ganho um tostão fiquei felicíssimo. São coisas que nos marcam para a vida.

Festa - Depois continua com o Sr Carvalho a trabalhar aqui, neste espaço onde nos encontramos, no centro do Bombarral?

Celestino Fotógrafo - Sim, chamava-se Carvalho Fotógrafo e Oculista. Naquele tempo eram oculistas e fotógrafos em muitos casos.

Comecei com ele, estive sempre com ele, foi um grande amigo que me ajudou muito e chegou a dizer-me “vou fazer por ti o que não faço pelo meu filho … vais tornar-te um grande homem”. Como já estava para ir para a tropa disse-lhe: “mas eu vou para a Guiné, Sr Carvalho” … e respondeu-me de imediato:”não faz mal, eu sei. Quando voltares ficas com a casa. Eu espero-te … vais-me pagando como puderes mas esta casa é para ti”. Essa foi a grande vantagem que tive na vida, porque não tinha dinheiro para arrancar. Recordo essa fase com muita emoção, carinho e algum orgulho também, porque me permitiu tornar no homem que tenho sido, à base do meu trabalho mas também da ajuda que tive de início e nunca esqueço.

Festa - Vem da guerra colonial, não tem dinheiro, não deve ter sido fácil?

Celestino Fotógrafo - …foi a nove de julho de 1973 e o Sr Carvalho com as palavras que me dirigiu e com a ação que teve para comigo abriu-me a porta para um mundo diferente daquele que teria tido se não fosse assim.

Só tive que apanhar a embalagem e ser cumpridor, como acho que todos o deverão ser ao longo da vida. Por isso, embora com algumas dificuldades, como é natural, tive uma missão muito facilitada pelo apoio que recebi.

Festa - Esse era o bom tempo da fotografia, onde o Celestino muito rapidamente se tornou “o fotógrafo” do Bombarral, pelo menos…?

Celestino Fotógrafo - É verdade, não foi muito difícil nessa altura, ao contrário dos dias de hoje em que estou com esta idade e não tenho a mesma opinião sobre como singrar na fotografia.

Naquele tempo tinha uma meta, que era atingir objetivos e tentar conseguir tudo o que era possível. Era necessário uma máquina nova… tinha que conseguir, era necessário melhorar o estúdio… tinha que se atingir, porque era preciso ‘agarrar’ uma população e servi-la com o que de melhor e mais eficiente existisse, era preciso transmitir-lhes uma mensagem, porque uma boa fotografia transmite sempre uma mensagem. 

Hoje as pessoas confundem muito tudo isto… são todos fotógrafos, não é necessário transmitir nada numa imagem, não há qualquer preocupação com a qualidade e a criatividade, há um número imenso de fotografias a mais, de fotógrafos a mais, mas a qualidade, a relação da fotografia com a mensagem vem-se perdendo aos poucos de forma preocupante.

Festa - É um mundo diferente. Uma época diferente?

Celestino Fotógrafo - Como é natural, embora para mim continue a trabalhar sempre com uma mesma geração, embora as idades sejam diferentes. É engraçado ver, agora, os mais novos a tratar-me por Celestino e os pais a dizer-lhes: “andaste com ele na escola? És da idade do senhor? Que educação é essa?”. Mas é gratificante ser tratado assim, com familiaridade pelo mais e menos novos, e ouvir estes a dizer aos pais: “mas lá em casa dizes sempre ‘o Celestino’ … por isso é que o trato assim”. Sinto-me como se fizesse parte das famílias, porque as pessoas também é assim que me tratam. Respeito toda agente e toda a gente me respeita. É com muito orgulho que sinto que somos uma grande família… continuamos a ser uma grande família.

Tive um episódio com um ex-presidente daqui, do Bombarral, que infelizmente já não está entre nós, que um dia quis condecorar uma série de pessoas daqui e lembrou-se também do Celestino, não sei bem porquê, mas foi assim. Quando estava a entregar as distinções, ali no Bombarralense, lá foi chamando as pessoas: “o sr dr tal”, “o sr engenheiro tal”, “o sr tal”, “o Celestino”… e ouviu-se uma enorme assobiadela. O presidente ficou perplexo e perguntou o que se passava, porque estavam as pessoas a assobiar, até que alguém da plateia pergunta-lhe: “então todos são Drs, Srs, e o Celestino não tem direito a Sr Celestino?”. O presidente percebeu e retorquiu: “o Celestino é o ‘nosso’ Celestino, não precisa dessas apresentações, porque o ‘nosso’ Celestino toda a gente conhece e todos o tratam assim”… e a verdade é esta, sou “o Celestino” das pessoas, sempre com muita honra e orgulho nisso mesmo. Gosto das pessoas e felizmente as pessoas também gostam de mim … do “Celestino”.

Festa - Entretanto o mundo muda, a fotografia também. Como tem o “Celestino” acompanhado estes tempos?

Celestino Fotógrafo - Agarrei-me ao valor das coisas e às opiniões que me iam dando. O mundo também é isso mesmo, uma vasta imensidão de opiniões e depois, se conseguirmos ir retirando as que nos são mais benéficas, as que verdadeiramente nos ajudam, nunca nos esquecendo de respeitar a fotografia, a imagem, qualquer inovação, qualquer tecnologia, só serve para nos ajudar e fazer ser melhores pessoas e melhores profissionais.

Festa - Acha que as coisas estão a caminhar no melhor sentido?

Celestino Fotógrafo - Como enveredei por uma profissão em que “não caí de pára-quedas”, sempre tive um desejo: que a profissão de fotógrafo seja reconhecida como a do médico, advogado, jornalista ou professor, por exemplo. Neste momento a profissão só é reconhecida por quem a conhece, por quem a respeita, agora pelas entidades que fazem as leis (para eles) o fotógrafo não existe.

Na altura em que comecei não pude abrir os meus estúdios sem ter carteira profissional, que tive de ir buscar a Coimbra, ao Ministério do Trabalho que vigiava e controlava o que fazíamos. Agora, só tenho carteira profissional porque é minha e a paguei, porque na realidade a carteira de fotógrafo deixou de existir. 

Hoje qualquer um é fotógrafo…

Festa - Então mas agora qualquer um é fotógrafo, pode estar numa escola com os meninos, num casamento com os convidados e assim?…

Celestino Fotógrafo - Pode. Estar numa escola com os meninos também pode, porque já lá vai o tempo em que tive credenciais para poder fotografar numa escola. Hoje já não é necessário, embora os estabelecimentos de ensino tenham normalmente muito cuidado com quem “deixam entrar” nas suas escolas, porque tem que haver muito respeito e cuidado nessas situações. Mas, hoje já não há a situação da professora que vinha à minha loja e dizia “Celestino, vá-me fotografar os meus meninos para poder ter uma recordação deles no futuro, para me lembrar deles e para os pais terem uma recordação da sua passagem pela minha escola”. Hoje a sociedade está muito complicada, com muitos pais separados, com muitas situações de meninos que não têm autorização para ser fotografados, pelo que mesmo que o professor queira torna-se um emaranhado de problemas que, por vezes, não permite essa mesma recordação “para a vida” da sua passagem pela escola enquanto crianças…

 

Festa - Como é ser “Celestino Fotógrafo” aqui nesta região nos dias de hoje?

Celestino Fotógrafo - Prefiro sempre ter e deixar uma mensagem de esperança. Continuo a achar que ser “Celestino” aqui no Bombarral, no Cadaval, ou em outros locais da região onde tenho estado presente é basicamente o mesmo que ter sido “Celestino Fotógrafo” em outros tempos, há alguns anos atrás. “Celestino Fotógrafo” na realidade é como se de uma marca se tratasse.

Agora, o que atualmente temos que ter é uma maior sensibilidade para saber até onde podemos ir, onde o conseguimos. Por vezes era bom que as pessoas não se iludissem com as facilidades, porque elas também se tornam quantas vezes em dificuldades. O grande avanço também nos traz muito atraso em diversas coisas. Uma coisa é certa, para se estar com as pessoas e continuar a fazer boa fotografia, para além da formação é necessário muito gosto e sensibilidade para com a fotografia. Acho que as pessoas continuam a perceber isso… e nós, fotógrafos em geral, temos que estar sempre a acompanhar o evoluir dos tempos, de forma metódica e quase diária, para poder responder àquilo que se espera de um fotógrafo profissional.

Festa - Que se espera de um fotógrafo profissional?

Celestino Fotógrafo - Penso que toda a gente sabe isso. Todos esperam que uma fotografia seja “perfeita” transmita algo e tenha como que uma “alma”.

Somos um país em que, felizmente, existem muitos e excelentes fotógrafos, alguns reconhecidos e premiados mundialmente. 

Quando alguém quer uma fotografia e espera algo mais não pode recorrer a um amador, que pegue numa máquina e carregue num botão, pois, julgo que há a consciência de que uma foto tirada por um profissional é algo diferente, que se vê, que se sente, e no futuro sejam quais forem as tecnologias existentes, continuará a ser admirada.

Festa - Quer isso dizer que não é fotógrafo quem quer?

Celestino Fotógrafo - Talvez seja por aí. As máquinas, boas ou menos boas, só por si não fazem nada, as coitadas sozinhas não trabalham.

Ou quem está a pegar nelas tem sentimentos, sensibili-dade, visão daquilo que pretende e do que quer ou então é difícil ser considerado fotógrafo, porque consegue tirar uns retratos mas não consegue transmitir a essência numa fotografia.

Festa - Que mensagem transmite aos jovens que hoje pretendem entrar no mundo da fotografia?

Celestino Fotógrafo - O mais importante que estes anos de experiência me deixaram foi o ensinamento de que se gostam… nunca desistam. A desistência é a morte das convicções e quem gosta tem que ser convicto.

Há coisas que porventura não vamos conseguir alcançar, mas com perseverança conseguimos a maioria delas. 

A pandemia e as dificuldades não nos fizeram parar, a fotografia não morre com as dificuldades pois é uma realidade tão rica, tão vasta, tão diferente das outras profissões que tem sempre um lugar muito próprio para transmitir coisas, para transmitir emoções.

Por isso, se amam a fotografia empenhem-se nela e vão descobrir que vão ter muitas alegrias com a fotografia… também! 

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