Tinha José Piaça onze anos e o padrinho adoece, vai para o hospital e acaba por falecer “tinha um tumor, como se dizia na altura. Um cancro, e não resistiu”. Foi após a morte do padrinho que a madrinha lhe diz “tens que arranjar quarto porque eu vou-me casar com outro senhor”. Assim teve que fazer e “como tinha um senhor de Torres Vedras, que era peixeiro e nosso cliente lá, na barbearia, o Sr Rocha, que quando lhe contei me disse que arranjava casa e trabalho aqui, se eu quizesse ... foi assim que vim para Torres Vedras, ganhar cinco escudos por dia, casa e comida, para trabalhar na barbearia do Sr Miguel que nessa altura existia quase ao lado do cinema”.
Uns anos depois vai morar para o Sarge a acaba por sair dessa barbearia e vai trabalhar um ano para Lisboa, para a Baixa, mas continua a residir em Torres Vedras e faz a viagem todos os dias. Um ano depois, aqule que veio a ser o patrão da barbearia que hoje é sua, o Sr Seia (alentejano), tinha a barbearia no edifício do “Império” acaba por o trazer de volta a Torres Vedras, tinha então dezanove anos de idade.
Por essa altura “já namorava com aquela que veio a ser a minha mulher” e acaba por comprar a casa do Sarge por “um conto e oitocentos”, que era bastante dinheiro nessa altura, mas que foi amealhando, em especial pelos cabelos que cortava fora de horas por lá mesmo, pelo Sarge, pois os homens trabalhavam de “sol a sol” e não tinham tempo para ir ao barbeiro durante o dia.
Ainda estávamos na década de cin-quenta e o seu patrão, o Sr Seia, que já tinha uma certa idade, fica adoentado e convence-o a ficar com a barbearia em que “sempre” o conhecemos e é sua até aos dias de hoje. O Salão Central, do amigo Zé, no centro da cidade.
É por essa altura que começa a ir aos “concursos” em Lisboa, onde aprende muito mais, é convidado a ir também ao Porto, Figueira da Foz e outros locais mas não pode, porque já tinha a barbearia e os clientes e não tinha possibilidade de a deixar “sozinha”.
Cortou o cabelo aos avós, filhos e netos e relembra “sou do tempo em que apareceram os Beatles, os cabelos começaram a deixar-se crescer e muitos clientes iam lá só para os lavar. Foi nesa altura que coloquei a lavagem de cabelo na barbearia. Também se cortava, embora menos, mas começou a fazer-se os penteados e comprei os “ferros” para esticar, retorcer bigodes e assim, outro para fazer ondulados, que nesse tempo ainda se aqueciam no fogareiro até aparecer a eletricidade... Ainda hoje tenho lá esses “ferros” guardados”. Os tempos trazem e levam as modas e “nos anos oitenta voltou a cortar-se mais cabelos “clássicos” que outra coisa”.
Independetemente das “modas” confessa-nos que “sempre fui barbeiro, trabalho com gosto e até hoje nunca me cansei. Gosto mesmo da minha profissão”.
Nos últimos anos vem a deparar-se com uma concorrência nova, a dos “barber shop” que diz ser uma coisa diferente “são aqueles cabelos degradé, eles tiram o curso para fazer isso e acabam por não saber fazer mais nada ... é uma moda, uma temporada e tem tendência a passar, como já passaram outras modas ao longo dos anos em que tenho a barbearia”.
Agora, sente que a idade já “começa pesar” e aos oitenta e dois anos diz que “as pernas ao fim do dia já começam a estar cansadas”.
Tem duas filhas e um filho mas nenhum deles seguiu as pisadas do pai seguindo a profissão e sente que “está na altura de dar lugar aos mais novos. Quero descansar um pouco e poder dedicar-me a outras coisas de que também gosto muito, como as coleções que fui fazendo ao longo dos anos. Estou a tentar chegar a acordo com a pessoa que lá está a trabalhar comigo e caso isso aconteça, como espero, será ele o futuro da barbearia, embora eu vá, a pedido dele, continuar a passar muito tempo por lá e a ajudar sempre que necessário”.
Foi “uma vida bem vivida” até aqui, que se espera venha a ter continuação, como barbeiro ou colecionador, tanto faz, mas emprestando sempre uma enorme dedicação a tudo aquilo em que se empenha.